Maranhão, Brasil, 1930 —
Rio de Janeiro, Brasil, 2016
A riqueza e amplitude da obra de Ferreira Gullar surgem como incontida busca pela indissociabilidade entre vida e arte. Colocando a subjetividade e a corporalidade em primeiro plano, tal pesquisa se dá inicialmente no esforço para promover o ato perceptivo como fundamento da experiência estética e então, num segundo momento, assume corajoso e refletido engajamento político ante a realidade nacional.
Ferreira Gullar nasceu em São Luís do Maranhão no ano de 1930 e desde a juventude atuou como jornalista e escritor, atividades que o consagraram como importante intelectual das artes, especialmente a partir dos anos 1950 quando, já morando no Rio de Janeiro, envolveu-se com o movimento concretista. Em 1954, o artista expôs seus poemas na primeira mostra do Grupo Frente, na Galeria do Ibeu, e em 1956 participou da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada em conjunto com artistas paulistas do Grupo Ruptura, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP).
As divergências entre Gullar e as concepções teóricas dos concretistas paulistas, já latentes na exposição no MAM-SP, levaram-no a romper com os colegas em 1957, por meio do artigo Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica. Em 1959, a dissidência formalizou-se no Manifesto Neoconcreto e Gullar consolidou-se como seu teórico central, posição atestada pelo célebre texto Teoria do Não-objeto (1959), em que pensa as obras de arte como objetos especiais, “livre de qualquer significação que não seja a de seu próprio aparecimento” e que “reafirmam a arte como formulação primeira do mundo”.
A palavra conferiu notoriedade a Ferreira Gullar; seu trabalho estético concentra-se notadamente na síntese entre o âmbito semântico e o âmbito sensível promovida pela visualidade da produção poética neoconcreta. As pinturas e obras tridimensionais de Gullar são dotadas de uma curiosidade e elaboração estéticas que expõem linhas importantes para compreensão dos propósitos mais gerais do neoconcretismo. Exemplo disso são trabalhos que o artista produziu em 1959, como Não, Era e Lembra. Tais obras assumem como premissas a geometria, a cor e principalmente a participação ativa do público que, ao manipulá-las, obtém o arremate da composição: assim, é no gesto que o poema tridimensional se revela enquanto tal. Também o Poema Enterrado (1959), realizado no subterrâneo do quintal de José Oiticica Filho, sugere essa mesma força gestual reveladora, engendrando um poema que deve ser lido enquanto percebido, fazendo da ação do participante a sua essência e seu destino.
Os relevos que Ferreira Gullar concebeu em papel colorido, alguns dos quais posteriormente consolidados em metal, expõem o gesto de recorte e torção das formas como representação do tempo. Na convivência com a obra, o espectador percebe a duração, esse tempo contínuo que caracteriza o que é corpo vivo: a obra e o observador, ambos com suas torções e avessos.
G.G.S.