Pã sem Flauta - Cabral

Antonio_Hélio_Cabral

Sobre


São Paulo, Brasil
26/10/2024 - 08/03/2025

Dan Galeria apresenta um recorte de novas pinturas no vasto repertório de linguagem de Antonio Hélio Cabral. Além da exposição, a galeria também anuncia a representação do artista.

Quando, em 1970, Cabral começou cursar a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), o céu noturno de São Paulo já afrouxara suas constelações, e as luzes de seu ateliê, pouco a pouco, impuseram-se ao jovem artista. Esculturas, objetos, pinturas, desenhos, gravuras, textos, revezaram-se como ferramenta e material constitutivo. Suas muitas fases, sempre movidas por interesses em diversos campos de estudo, serviram-lhe como fundamento de processos e projetos por vir. Desse modo, entende-se que a obra de Cabral sedimentou olhares, assuntos e técnicas associando-os de forma original e profunda, rumando o caminho expressivo. Para ele tudo fala com tudo. O traço em si é desenho e pode encarnar movimento, gesto, dança. Ritmo, timbre, música e até, pela calibração da potência, criar analogias cromáticas e psíquicas. O título da exposição se refere a um dos trabalhos expostos – Pã sem Flauta de 2023, óleo sobre tela, 160 × 120 cm. Hoje, com sessenta anos de trajetória, a obra do artista emerge e está presente em coleções privadas e institucionais no Brasil e no exterior.

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Penso a figura como derivada da pintura. A figura pintada, no entanto, é tudo que não desejo. No caso do desenho, resolve-me a figura que vem do traço, que nasce do traço. Melhor seria se, depois do ato de pintar ou traçar, pudéssemos dizer que há coincidência entre figura e pintura, traço e figura, como se fossem sujeito e predicado comutáveis: a pintura que é figura, a figura que é traço.

E então, o que a pintura-figura pode proporcionar ao olhar? Se o percebido não deve ser esquartejado e o entendido não é entendimento puro, não se pode separar a cor da forma, o ato de pintar da pintura, o traço do traçar. Creio que o olhar é uma forma de ser, que a pintura não está aí para designar a imagem, ou seja, que a pintura não está a serviço da representação do gato, da paisagem, da mesa; em vez disso, dela brotam possíveis fantasmas que emergem na interseção entre a pintura e o olhar.

A figura sempre foi, para mim, objeto de reflexão. Desde os primeiros desenhos de 1970, procurei esvaziar o figurativo, livrando-me das formas planas que dele resultam, desviando-me do óbvio inerente à sua estrutura. Nos anos 1980, momento em que estava totalmente envolvido com a pintura de observação, percebi que um dos impedimentos da pintura-figura era a descontinuidade entre fundo e forma, visto que a separação privile- gia o enquadramento figurativo, enquanto a tensão entre a figura e o que está fora dela privilegia a pintura.

Levei essa tensão até transpassar os arrimos da figura, provocando uma espécie de avalanche do fundo sobre ela, estabelecendo assim um espaço plástico outro, espaço que passa a expelir figuras surgidas de outras figuras. Essa passagem da pintura à figura é por mim dividida em duas etapas distintas, ou seja, a remoção dos arrimos e a avalanche, pois cada uma delas conduz a uma pintura própria. A possibilidade da criação está atada ao único. É assim que toda arte sustenta sua própria originalidade, não podendo ser relativizada em técnica ou poética. A existência é contramão – é impossível negociar em seu âmbito. ANTONIO HÉLIO CABRAL

“Antonio Hélio Cabral que é, sem dúvida nenhuma, um dos mais originais artistas expressionistas que nós conhecemos. Há no Cabral uma busca de transcendência em que a figura, que é o fundamento da sua peça, do seu trabalho, passa por um processo ininterrupto de transformação, refiguração e reformulação. Isso aparece na intensidade da massa pictórica com que ele trabalha, com o volume de tinta com que ele trabalha, com a intensidade da cor com que ele elabora a sua figuração. É um constante transformar-se ininterrupto como a vida humana é, como o ser humano é normalmente.” Peter Cohn