São Paulo, Brasil
08/06/2017 - 10/07/2017
Considerado um dos escultores mais importantes do país e criador de um dos monumentos mais icônicos e significativos da cidade de São Paulo, Victor Brecheret tem seu trabalho celebrado pela Dan Galeria, que recebe, a partir de 8 de junho, a exposição Brecheret: Encantamento e Força, com curadoria de Daisy Peccinini, especialista na obra do artista.
A mostra inclui criações do escultor de um período que vai de 1916 a 1955, apresentando ao público um panorama bastante abrangente da carreira artística de Brecheret, expondo, inclusive, as várias possibilidades e momentos estéticos que o artista vivenciou e incorporou em seu trabalho. São 46 obras, entre esculturas e desenhos, que se dividem em núcleos e subnúcleos. “O feminino, o masculino e o idílio”, “Arte indígena”, “Arte sacra” e “Cavalos” são os temas que se sobrepõem às esculturas. “Desenhos” é apresentado como o quinto núcleo da exposição, por sua vez subdividido pelos temas equivalentes aos dos grupos escultóricos.
Para a curadora, duas qualidades se impõem como marcas estilísticas permanentes na obra do escultor, independente do tema ou código por elencado: o encantamento e a força. “Encantamento, uma especial sedução pela impecável fatura, fazendo os olhares deslizarem pelos volumes flexuosos, interagindo com a sensibilidade e o prazer de cada um que os contempla”, afirma Daisy. “E se de um lado existem encantamentos, por outro há um élan que integra as partes numa pulsão centrífuga, de modo que os volumes sedutores possuem força e tensão que os aglutinam e geram uma aura monumental”, completa.
Tema preponderante na produção de Brecheret, a figura feminina convida o público, já na parte exterior da galeria, a imergir em seu universo criativo: a monumental Morena (c. 1951), escultura em bronze com mais de 2,4 metros de altura, recebe-o como uma anfitriã do espaço.
O feminino da mitologia grega ganha forma em Três graças (início da década de 1930), com a representação das deusas da dança, da graça e do amor, que em sua reprodução simbolizam as três raças de acordo com as teorias então vigentes – negra, amarela e branca. Unidas pelos ombros, as figuras desafiavam as mentalidades da época, marcada pelo nazismo e fascismo europeus, que pregavam a superioridade dos brancos sobre os demais. “Um trabalho arrojado plástico e politicamente, que naquele contexto exaltava a harmonia e a fraternidade”, acrescenta a curadora.
O bronze Cabeça de Marisa (c. 1955) foi fundido a partir de um gesso modelado pelo artista horas antes de sua morte. Dedicado a imprimir nele o retrato de sua sobrinha, Brecheret, por meio de ordenação rigorosa e refinada, emprega na obra simplicidade, pureza e força plástica de formas, características tão comuns em seus retratos.
Beijo (c. déc. 1930) traz uma das raras peças em sua produção representando o idílio entre um homem e uma mulher. O bronze polido assume uma forma oval, alongada, quebrada por pequenas incisões horizontais, sugerindo ao espectador mão entrelaçadas do casal.
Consciente da importância dos povos da terra para a formação e a expansão territorial da nação brasileira, o artista dedicou-se também, principalmente a partir da década de 1940, ao universo das formas primitivas da cultura indígena do país. Filha da terra roxa (c. 1947-1948) foi um de seus primeiros trabalhos com a temática. Modelada inicialmente com terra roxa, a terracota foi exposta em 1948 na Galeria Domus, primeira a expor os modernistas brasileiros. Na mostra da Dan Galeria, a peça apresentada é fundida em bronze.
Apesar de não ter sido religioso, o artista tinha uma admiração muito grande pela arte sacra, presente em sua produção nas mais diversas épocas. Nesse contexto, A virgem com o Menino Jesus foi um dos temas mais trabalhados por Brecheret, tendo sido realizado em diferentes composições e materiais. Em Virgem (c. 1923-1925), ele inova a tradição iconográfica, dispondo a Virgem de joelhos, construindo um jogo complexo de curvas e contracurvas, que dançam sob a ação da luz sobre o metal polido.
O relevo Cavalos (c. 1953) traz o modelo de um dos painéis de mármore travertino que recobrem as fachadas de ingresso do Jockey Club de São Paulo, onde o artista realizou uma verdadeira saga dos cavalos de corrida, seu ciclo de vida, de vitórias e final de carreira. Na peça apresentada na exposição, os volumes conjugam a tensão e o furor da competição com a exaltação da elegância e da beleza dos animais.
Por fim, o conjunto de desenhos apresentado na mostra tem qualidade e condição singular, uma vez que muitos deles prefiguram a obra escultórica que surgiria posteriormente. Três Graças (c. início déc. 1930), em uma versão de bico de pena sobre papel, é um destes exemplos. O desenho emana o frescor das aparições subconscientes, como uma primeira expressão que depois assumirá materialidade tridimensional na obra escultórica.
San Michelle (c. 1916), um retrato de São Miguel Arcanjo, é um dos destaques do núcleo. Trata-se de um desenho, inédito até então, produzido pelo artista no período de sua formação em Roma. O ensaio, realizado a partir de uma pintura de altar de autoria de Guido Reni, já prenuncia sua grande capacidade e o olhar plástico do artista. “Impressiona a habilidade da transcrição fiel da pintura e sua capacidade de, apenas com o uso do crayon, conseguir dar o modelado dos relevos e das depressões dos corpos, mantendo uma tensão e dinamismo da cena”, afirma Daisy.
O artista
Victor Brecheret nasceu em 15 de dezembro de 1894 em Farnese di Castro, na Itália, chegando ainda menino a São Paulo, cidade que adotou como sua. Quando jovem, frequentou aulas no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Aos 19 anos de idade, partiu para Roma, entrando em contato com as vanguardas artísticas das décadas de 1910 e 1920. Foi discípulo de Arturo Dazzi, que ofereceu a ele formação técnica do modelado e dos princípios de anatomia humana e animal. Ainda no período em que esteve em solo italiano, foi influenciado por escultores pós-Auguste Rodin, como Ivan Meštrović e Émile-Antoine Bourdelle.
Pouco depois de retornar ao Brasil, ao fim da Primeira Guerra Mundial, foi descoberto por jovens futuristas, sedentos de modernidade da arte e da cultura. Di Cavalcanti, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia ficaram encantados com a modernidade de suas esculturas. Ao lado de Anita Malfatti, Brecheret passou a ser considerado o precursor do Modernismo no Brasil e do pensamento vanguardista que culminou na Semana de Arte Moderna de 1922, com a exposição de 20 esculturas no saguão e nos corredores do Teatro Municipal de São Paulo.
Em 1921, o artista recebeu uma bolsa do Pensionato Artístico do Governo Paulista e partiu para Paris, em um sonho, para se aprimorar tecnicamente para realizar o Monumento às Bandeiras – concebido no ano anterior, apresentado até então somente em maquete. No período em que esteve na Europa, o artista recebeu a mais alta condecoração da República Francesa, o título de Cavaleiro da Legião de Honra da França. A designação o colocou entre os mais importantes escultores modernos e vanguardistas da época, principalmente aos olhos dos artistas e intelectuais brasileiros.
A encomenda da execução do Monumento às Bandeiras pelo Governo do Estado de São Paulo veio apenas em 1936, após a derrota paulista diante da Revolução Constitucionalista de 1932. O monumento exaltava um sentimento de orgulho perante o Estado e as expedições bandeirantes. O artista dedicou-se à realização desse projeto por quase 20 anos, sendo considerada sua maior obra, a qual foi finalizada em 1953, tornando-se um dos ícones da cidade.
Em 1951, o artista foi premiado como o melhor escultor nacional na I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Brecheret faleceu na cidade de São Paulo, em 17 de dezembro de 1955.