Humenné, Eslovaquia, 1946

Tal como na vida, encontramos na obra fotográfica de Yuri Dojc aquelas contradições elementares que perseveram no âmago de todo ser sem que possamos dar-lhes síntese ou solução. Pois, com efeito, desfilam nas suas fotografias  o desejo e a morte, a criação e a destruição, o tempo histórico e o tempo do sonho, todos como parte de um olhar que nos permite vislumbrar o significado inefável da beleza e da dor.

Nascido na antiga Tchecoslováquia, Dojc emigrou para o Canadá em 1968, quando os tanques soviéticos tomaram as ruas de seu país natal. Em sua nova pátria, o fotógrafo deu início a uma bem sucedida carreira na fotografia comercial conjugada ao exercício da fotografia artística. Jamais limitada a uma só temática, a prática fotográfica de Dojc varia entre momentos de humor e da mais séria introspecção. Assim, em uma de suas séries, American Dreams,  o artista se utiliza de souvenirs, muita vezes recorrendo a colagens, para jogar com o imaginário cultural dos E.U.A, combinando em fotos surreais ícones da cultura pop, símbolos nacionais e brinquedos unidos em cenários vibrantes e surpreendentes .  Por outro lado, em contraste às intensas cores e às composições inusuais dos American Dreams, nos nus femininos fotografados por Dojc predominam o preto e o branco, essenciais à insinuação do elemento erótico  a partir das sombras e sugestões, daquilo que elas previnem e ocultam ao olhar, conferindo aos corpos e rostos femininos antes a cristalização de momentos que alternam entre algo de liberdade, serenidade e distração em contraponto a uma certa densidade meditativa e uma melancolia pungente

Ao lado dessas incursões pelos reinos do sonho e do desejo, caracteriza também o trabalho de Dojc uma observação sensível do passado, particularmente do passado daqueles a quem  o direito à vida e à humanidade foram negados. Isso faz-se presente em diversos momentos, como naquelas fotos em que o artista toma por tema as ossadas das vítimas do genocídio de Ruanda; ou ainda no projeto North is Freedom, no qual Dojc retrata descendentes canadenses de escravos que fugiram dos cativeiros das fazendas do sul dos E.U.A rumo ao norte em busca da liberdade. Mas é em seu principal e mais longo projeto, Last Folio, que  o olhar de Dojc se volta com mais ênfase aos apelos do passado. Neste projeto iniciado em 1997, o fotógrafo, junto da documentarista Katya Krausova, retorna à agora independente Eslováquia para retratar vítimas da Shoah que sobreviveram a Auschwitz. Nesta jornada que é também pessoal, visto que é filho de judeus, Dojc acaba por recompor parte do passado da comunidade judaica da Eslováquia, uma vez que seu itinerário fotográfico, além dos retratos dos sobreviventes, envolve também os testemunhos mudos das sinagogas em ruínas invadidas pelas vegetação; as salas de aula abandonadas que aguardam o retorno daqueles alunos e mestres que se foram dali para sempre; os rolos da Torá que esperam ainda as mãos zelosas dos sábios que possam abri-las e decifrá-las; as lombadas de livros que abrigam palavras que jamais voltarão a ser pronunciadas e que correm o risco de desvanecer no ar sob o peso do mais leve dos toques.

Ao fotografar esses objetos que parecem cumprir o curso do seu desaparecimento, Dojc os retira da matéria indiferenciada do passado e os reintegra como parte da História, pois a História apenas se constitui quando olhada. Essas fotografias, assim, atestam não só a existência daquilo que nelas é visível, mas principalmente das presenças que lhe são lacunares, de um mundo palpitante de vozes e rostos  que, por força do ódio e da consumação da barbárie, foi de súbito lançado ao esquecimento. Através delas, conhece-se simultaneamente o passado e o futuro, o que antecede e o que decorre de um momento peremptório de horror. Mas ainda sim, essa tristeza que borra a totalidade do tempo como testemunha dos atos sem remissão equilibra-se com uma beleza frágil que ameaça despontar enquanto uma emanação desses objetos que clamam pelo ardor daquelas existências desconhecidas e interrompidas que neles resistem ao olvido e protestam em favor da veemência da vida.

 

V.R.P