Soroca, Moldávia, 1907 —
São Paulo, Brasil, 1971
Há na obra de Samson Flexor uma particular dialética, um movimento próprio de dissolução da figura para que seu retorno final se dê na revelação ambígua, serena e incômoda, do vínculo entre existência e fenecimento.
Imigrante russo que se forma na Paris dos anos 20, o universo inicialmente descoberto em Flexor é aquele dos tipos e paisagens da cidade luz, registrados sob o domínio da técnica impressionista, como o testemunham Conciérge (1940) e Montparnasse (1934). É a partir da experiência da II Guerra Mundial, quando mesmo a terra torna-se lutuosa, que o pintor conclui que “as guerras obrigam o homem a descobrir de novo o universo.” Essa descoberta Flexor fará rumando à abstração. Primeiro, submetendo a figura à geometria suave herdeira do Orfismo, como em Menino Estudando Matemática (1945), que integra formas geométricas ao jogo de cores e luz que atravessa o espaço pictórico.
A redescoberta que Flexor realiza do universo prossegue no Brasil, onde se instala em 1948 e participa, em 1949, da exposição do Figurativismo ao Abstracionismo, no MASP. É nesse período que as obras do pintor se desvencilham por completo das figuras no jogo de cores vivas e formas musicais presentes em Abstração Tropical (1948) e Abstração Barroca nº 2 (1948). Com seu desenvolvimento, as obras abstratas de Flexor passam a insuflar um senso persistente de movimento combinado a musicalidade, conquistados através da combinação entre planos e linhas e da alternância do tom das cores, como no Vaivém Diagonal (1954) e na Arlequinade (1957).
Ao final da década de 50, após o fim do Atelier Abstração, fundado pelo pintor em 1951, as formas precisas dão lugar às manchas, sinais de gestos permeados por uma expressividade originária e cósmica, como se nota em Élan Blue No. 7 (1958). E são das manchas também que começam a renascer as figuras na obra do pintor, na série Bípedes, exposta na Bienal de São Paulo de 1957.
Estas criaturas, entre o mineral e o animal, presas no interregno do nascimento e do desvanecimento, são acúmulos aquosos, corpos vazados e abertos, às vezes em cores diáfanas que parecem se dissolver no fundo branco. O universo é novamente descoberto em figuras como o O parto (1969) e o Bípede sobre Fundo Branco (1970), renascidas da abstração fundamental, não como ato de retorno ao registro do mundano, mas gesto gerativo de um ser inapreensível, capturado na fusão trágica da vida à morte, que só se exprime inteira na pureza da criação.
V.R.P.