Metz, França, 1965
Se em nosso tempo a medida de todas as coisas é conferida pelo ritmo incansável dos algoritmos, a obra de Pascal Dombis não faz menos do que nos apresentar à desmedida deste tempo. Pois aqui o digital não constitui apenas o medium técnico da realização artística, mas seu tema indispensável, uma presença simultaneamente maravilhosa e incômoda que nos instala perplexos ante as inflexões da contemporaneidade.
Para tanto, os trabalhos digitais e pós-digitais de Dombis geram o caótico e o irracional a partir da racionalidade indissociável dos algoritmos computacionais, extrapolando-os através de repetições excessivas aliadas ao fator imponderável da aleatoriedade, o que acaba por invadir as fronteiras do desconhecido e do impensável. Isso é exemplar em suas explorações da geometria fractal, nas quais os padrões repetitivos, as linhas que se dobram e as curvas que se retificam dão vazão a espaços virtuais que agem misteriosamente sobre a sensibilidade do espectador. Deste modo, na série Antisana (2000-2008) emaranhados visuais gerados computacionalmente foram impressos e fixados sobre paredes lisas, forjando espaços que sugerem uma profundidade sem fim a partir da superfície bidimensional, enquanto que nas Irrational Geometrics (2005-2016) as linhas, tomadas como princípio elementar do real, são recurvadas e esticadas em todas a direções, em meio ao espectro das cores em movimento perpétuo, como um sinal metonímico do processo interminável de geração e mutação que governa o próprio ser. Do mesmo modo, as linhas também aparecem como princípio de temporalidade, o que se manifesta na série Spin (2006-2012), na qual incontáveis círculos dão forma visual à circularidade do tempo, ou então nas instalações Blink (2005-2009), em que monocromos são projetados de forma alternada em aceleração crescente a ponto de gerar linhas que apenas surgem à percepção do espectador.
Além dessas linhas e curvas caóticas e irracionais, a obra de Dombis envolve também os signos e os sistemas simbólicos, que são desestruturados e superados. Baseado nas especulações linguísticas de William Burroughs e sua técnica cut-up, Dombis une a textualidade em arte à aleatoriedade proporcionada pelos algoritmos buscando superar os sistemas de controle fundados nas palavras e na escrita a fim de dar vazão a uma nova relação com os signos linguísticos. Isso é testemunhado em várias obras, como as instalações Text(e)~Fil(e)s (2010-2015), nas quais são criados caminhos constelados por fragmentos e passagens textuais, cuja ordenação e tipografia é determinada computacionalmente, de modo a não só envolver os passantes em uma experiência que evidencia a ubiquidade da escrita em todos os ambientes, mas também muda sua relação com as palavras, que já não surgem passivamente, mas exigem o tempo e o livre envolvimento indispensáveis a sua decifração.
O mesmo desafio é imposto por Dombis à nossa relação com as imagens digitais. Em diversas obras, o artista lança mão de um banco de imagens multitemático construído a partir de pesquisas no Google combinado ao jogo de revelação e encobrimento proporcionado pelos materiais lenticulares, de modo que ao espectador é exigido um constante movimentar-se e demorar-se diante das imagens que nega a rapidez dos fluxos irrestritos do regime imagético que hoje predomina, antepondo-se à tendência cultural cada vez mais acentuada de fazer do olhar um ato impossível. Podemos encontrar tal ato negativo em diversos momentos com destaques distintos: nas Image-Flux (2008-2013), o artista busca gerar meta-imagens e meta-histórias que devolvam uma possível narratividade às infinitas imagens dispersas; já em Meta-Google (2015-2018), Dombis recorre a imagens do Google pesquisadas no próprio Google para dar forma a uma imagem-espelho que reflete a atuação da tecnologia sobre a vida e a morte, o que consolida um senso difuso oriundo do desaparecimento de algo indeterminado; enquanto que em Crackography (2018-2019), são traçados territórios imaginários que constituem paisagens donde prorrompem as fissuras que ao mesmo tempo ameaçam e interrogam o presente e o devir.
Graças a todos esses aspectos, a arte de Dombis surge repetidamente como o indício de uma originária copresença entre racional e irracional, de uma inevitável intrusão do descontrole em meio aos sistemas de controle, de uma superação do humano pelas potências por ele mesmo criadas, mas também como a oportunidade de uma suspeita sobre nós mesmos capaz de nos conduzir ao desconhecido e impensado, de nos lançar novamente a uma sensibilidade e um pensamento afeitos àqueles riscos donde provém o novo.
V.R.P
Exposição “Linha Atemporal”
Exposição “Linha Atemporal” na Dan Galeria com texto curatorial de Paula Braga.
Exposição "Linha, Cor e Movimento"
Apresentamos Linha, Cor e Movimento. A nova exposição online de acervo da Dan Galeria.