Campinas, Brasil, 1902 —
Rio de Janeiro, Brasil, 1958
Homem do mar, José Pancetti imobilizou as grandezas oceânicas no fragmento possível de uma obra humana sem retirar-lhes o aceno do infindável. Suas marinhas relatam a prosa indecifrável das ondas em um lirismo imagético que também não se esquece das figuras que habitam o continente.
Marinheiro desde a juventude, Pancetti aprendeu a ser pintor no exercício de seu ofício e na companhia do Núcleo Bernadelli, onde recebeu a orientação de Bruno Lechowski. É característica de sua obra o exercício dos gêneros clássicos investidos da abordagem inusual que o artista lhes confere, produzindo composições que fogem aos enquadramentos tradicionais, muitas vezes organizadas a partir de ângulos laterais e oblíquos. Deste modo, os retratos pintados por Pancetti dispensam a frontalidade, dando forma a figuras geometrizadas e de traços sintetizados, como o Retrato de Lourdes (s.d) e o Auto-Retrato (1945), no qual o pintor aparece segurando um livro no qual se lê “ismos”, gesto de recusa às modas artísticas. Também peculiares são suas naturezas mortas que, a exemplo de Natureza Morta com Flores, Frutas e Retratos (1941), fundem prosaicos arranjos de frutas a retratos, em um inovador exercício metalinguístico.
Contudo, o que notabiliza Pancetti é a pintura de paisagens marinhas. Há as cenas em que o céu nublado reflete-se no mar em prateado melancólico, como em Barcos ancorados (1938) e Marinha (1946), obras tingidas por um sentimento de solidão. Já nas luminosas marinhas das praias baianas, a vivacidade da cor transforma o isolamento das figuras em calma solitude contemplativa. Farol da Barra (1954) exibe um mar azuláceo e purificado, orlado por uma faixa de areia dourada, enquanto que a Paisagem de Itapuã (1953) insere pequenas figuras humanas frente a um mar escuro, cujas ondas quebram nas grandes rochas que antecedem o litoral.
Desta forma, o mar que Pancetti nos apresenta é um reino silente, no qual todos os elementos, mesmo as embarcações, parecem remeter a um tempo sem memória, colocadas ante esse profundo e infinito oceano. Em suas marinhas, renasce uma natureza com modulações da luz que fazem brotar do fundo dos seres a melancolia ou a paz. As figuras humanas, tanto as pintadas quanto os espectadores dos quadros, entregam-se à encantatória centelha do sublime.
V.R.P