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Biografia


Cholet, França, 1926 —
Cholet, França, 2016

Um dos fundadores do Groupe de Recherche d’Art Visuel (GRAV), François Morellet perseguiu uma arte totalmente estranha a qualquer expressionismo, fazendo surgir uma obra que congrega o rigor dos números e dos algoritmos à graciosa poética do acaso.

Iniciando trabalhos com a abstração geométrica na década de 50,  Morellet produziu obras regradas por um sistema de composição estabelecido a priori, livres ao máximo de interferências subjetivas. Assim, nascem obras como 16 carrés 96 triangles (1952), na qual a alternância entre os triângulos e quadrados pretos e brancos obedece a uma rigorosa serialização, e também Violet, bleu, vert, jaune, orange, rouge (1953), cuja  repetição das seis cores presentes na pintura opera sob um princípio de desdobramento progressivo. A partir de 1958, Morellet passou a adotar o uso da aleatoriedade, restringindo ainda mais o leque possível de escolhas subjetivas abertas ao artista. Deste modo, em uma obra como Répartition aléatoire de 40 000 carrés selon les chiffres pairs et impairs du bottin téléphonique (1961), as posições do azul e do vermelho sobre o plano são determinadas randomicamente a partir dos números da lista telefônica de Paris, enquanto que em 10 lignes au hasard (1971) Morellet faz uso dos dígitos do número π (pi) a fim de determinar a angulação das linhas que atravessam o plano pictórico.

Os experimentos de Morellet com o acaso ganham ainda mais complexidade e imprevisibilidade em suas instalações. Montadas com materiais industriais, em especial a luz néon, essas instalações integram  o movimento e o tempo. Nelas, o espectador é tornado agente decisivo na constituição das obras quando convocado a ativá-las, desempenhando, portanto, papel de importância simétrica ao do próprio artista. Exemplo da importância do participador, Reflets dans l’eau déformés par le spectateur (1964) é uma trama de lâmpadas de néon cuja luz é refletida sobre um tanque de água. Esse reflexo pode ser perturbado e distorcido pelo espectador, convidado a manipular uma alavanca que faz a água ondular e gerar inúmeras outras formas a partir daquela primeira trama. Já em 2 trames 45°-135° de néons interférents (1972), o espectador é envolvido por três paredes onde são afixadas lâmpadas de néon vermelhas. A luminosidade da obra, sua ordem e variações são liberadas a partir do modo como o espectador ativa as lâmpadas. Em ambos os casos, não se pode dizer que exista apenas um trabalho artístico, pois as instalações são caracterizadas pela sua virtualidade, pelo número incontável de obras efêmeras que contêm, prontas a surgir e desaparecer em um relance sob o gesto do espectador, agora também artífice da obra de arte.

Ao longo de sua carreira, Morellet pode ainda instalar luzes de néon na fachada de construções,  beneficiar-se da computação digital para explorar mais a fundo os dígitos do número π, dentre outras experimentações. Em todos esses casos, a obra de Morellet sugere um entendimento renovado da criação artística e mesmo da criatividade. Elas cessam de ser um atributo restrito ao artista, ultrapassando-o ao implicar a força do acaso contida no eventual e no participativo, fazendo da arte uma experiência aberta e coletiva.

V.R.P.