São Paulo, Brasil, 1889 —
São Paulo, Brasil, 1964
Por volta de 1915, Homer Boss, diretor da Independent School of Art, embarcou com uma de suas novas alunas para um passeio de barco na costa da Nova Inglaterra. O clima era pouco propício, mesmo para aquele litoral entrecortado, de mar escuro e inquieto; o homem, contudo, manobrava o frágil casco de madeira de forma perigosa, levando-o em direção aos rochedos afiados. Muito próximo da tragédia, Boss virou-se à aluna: “Você tem medo da morte?”. Nada se sabe do olhar e do coração dessa jovem naquele momento; sabe-se, porém, que sua resposta foi dada como que invocando o peso do futuro que a ela iria se impor: “Não”.
Nos dois anos seguintes, Anita Malfatti continuou seu rico aprendizado junto aos professores e colegas estadunidenses. Encorajada à liberdade criativa pelo ambiente vanguardista da instituição, a artista aprofundou sua sensibilidade à cor e à luz, envolvida num fascínio que vinha cultivando desde 1910, quando realizou seus primeiros estudos na Alemanha, nos ateliês de Lovis Corinth, Ernst Bischoff-Culm e Fritz Burger-Mühlfeld.
Em dezembro de 1917, já de volta ao Brasil e incentivada por amigos como Di Cavalcanti e Arnaldo Simões Pinto, a jovem artista realiza a “Exposição de Pintura Moderna – Anita Malfatti”. Aberta no então número 111 da rua Líbero Badaró, centro da provinciana pretensão cosmopolita que permeava a cidade de São Paulo, a exposição incluiu obras notáveis como os retratos O homem amarelo e A mulher de cabelos verdes (1915-16) que, com largos movimentos do pincel, sintetizavam as formas anatômicas com cores de potente efeito vibrátil. Em paisagens como O farol de Monhegan (1915) e A ventania (1915-17), a natureza mostrava-se feérica, surpreendendo pela luminescência e vertigem de pinceladas espirais, não obstante as composições moderadamente convencionais que sustentam.
A exposição recebeu críticas severas tanto da própria família da artista quanto de jornalistas relevantes, como Monteiro Lobato e Nestor Pestana, levando a pintora a uma encruzilhada pessoal bastante difícil entre a academia e a vanguarda. Porém, pode-se pensar que a própria constituição do modernismo no Brasil fazia-se justamente sobre essa mesma encruzilhada. Contudo, uma veemente defesa do trabalho de Malfatti o que uniu os artistas e intelectuais do modernismo paulista, impulsionando outras insubmissões artísticas que culminaram na Semana de Arte Moderna de 1922. Acompanhada dos grandes nomes da música, artes e poesia da vanguarda brasileira, Anita Malfatti expôs na Semana em um ambiente cultural à altura de seu trabalho..
Considerado pela história da arte como o ato sacrificial ao modernismo, a ousadia de Anita Malfatti guarda a específica coragem mítica, capaz de transformar a finitude dos atos em inspiração contínua e atemporal.
G.G.S.
Mulheres à Frente
Nunca é tarde para estender homenagem às mulheres. No último dia de março de 2020, a Dan Galeria apresenta a coletiva Mulheres à Frente, reunindo artistas brasileiras de extrema relevância e participação na nossa história da arte.